terça-feira, 20 de setembro de 2011

Vá de mansa, porque a brava...

Taioba, maniva, urtiga. Os nomes não são muito amigáveis – nem suas donas. São plantas que, em seu estado natural, podem ser até perigosas. Mas basta um bom e vigoroso trato para virarem insuspeitas iguarias

     

Ela adora clima quente, solo úmido e sombra. De cultivo fácil, cresce em qualquer quintal, rende inúmeras receitas e substitui à altura o espinafre e a couve. Ainda assim, a taioba está longe de ser popular. Um dos motivos, certamente, é a falta de conhecimento dos consumidores – e até dos produtores – para diferenciar a mansa da brava. Ambas têm oxalato de cálcio, mas o alto teor da segunda a torna muito tóxica.

Daí a importância de saber a diferença entre as duas e sempre escaldar mesmo a taioba mansa antes de usar. Aferventar as folhas é o melhor jeito de eliminar o oxalato de cálcio. A nutricionista Neide Rigo, do blog Come-se, cresceu consumindo taioba no sítio do pai e até hoje a cultiva por lá. "É versátil, fica uma delícia só refogada com alho e azeite ou em polentas, bolinhos e massas."

Faz seis meses que o gastrônomo italiano Roberto Smeraldi se dedica ao estudo da taioba (leia abaixo). Começou fazendo suflê para os filhos. Os meninos também foram os primeiros a aprovar outra invenção do pai: torta de taioba com amêndoa e cacau em pó. De um tacho de taioba refogada lentamente, Smeraldi ainda tira o recheio do ravióli, o tempero da farofa e o corante do nhoque. Ele a compra na barraca de Ayako Fukushima, na feira de sábado da Rua Diogo Jácome, na Vila Nova Conceição.
A chef Carla Pernambuco, do Carlota, também coleciona receitas com a folha. "Mas é como fruta da estação. Só uso quando tem", diz a chef.

Se encontrar taioba nem sempre é fácil, pior é receber uma brava por engano, como aconteceu com Helena Rizzo. "Passei muito mal, tive uma dor de garganta forte, sufocante", conta a chef, que conheceu as folhas ao provar o prato de uma ex-funcionária. Gostou tanto que criou uma releitura para o menu-degustação: caruru de taioba, peixe empanado no mandiopã e taioba salteada – hoje a recebe de um "cuidadoso produtor orgânico".

Certa vez, depois de servir charutinho de taioba a um cliente, o chef e consultor Paulinho Martins foi chamado às pressas ao salão. O cliente sentiu a boca picar e a garçonete, muito sincera, disse que taioba mansa não pica, já a brava... pica e mata mesmo! O chef comeu um pedaço de taioba – e não morreu. Descobriu que o que ardia era a pimenta do molho que acompanhava o prato.

Por qual mistério a taioba não faz parte da mesa do brasileiro?

Roberto Smeraldi*Existe uma diferença entre a taioba e os outros inúmeros ingredientes nativos brasileiros que os mercados desconhecem, desprezam e desperdiçam. Quase sempre são delícias de nicho, com gosto sofisticado, apelo exótico mesmo em pátria, que tendem a ser compreendidas por gastrônomos refinados ou chefs obcecados por pesquisa e novidades.
Caros, além de raros, dependem de delicados equilíbrios ambientais, requerem investimentos em tecnologia e valorização dos saberes tradicionais. A taioba não, nada disso. Desde que comecei a apreciá-la aumenta o mistério de por que não faz parte da mesa do brasileiro no dia a dia.
Seu preparo é facílimo e rápido: não precisa limpar nada, é só cortar grosseiramente e jogar numa frigideira com poucas gotas de gordura e uma pitada de sal, e ela desmancha sozinha. Não precisa eliminar nada: até o talo central em poucos minutos vira purê. Seu gosto é delicado, mesmo com personalidade. Não identifiquei rejeição em pessoas de qualquer idade, cultura e origem: praticamente unanimidade, inclusive pela textura macia. Sua versatilidade é superior àquela das verduras que abundam nas bancas de nossas feiras: taioba realmente combina com tudo. Em termos nutricionais e medicinais, é o sonho dos nutricionistas.

Fonte: Estado de SP

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